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O futuro das disputas de ICMS sobre inserção de publicidade

Fonte: Migalhas

4 de abril de 2022

Desde que a disputa acerca da incidência do ICMS-Comunicação sobre a atividade de provimento de acesso à Internet foi encerrada de forma desfavorável aos fiscos estaduais, que inclusive culminou na edição da súmula 334 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os Estados passaram a fiscalizar as empresas e cobrar esse imposto sobre a atividade de inserção de publicidade na Internet, sob o mesmo fundamento utilizado para as cobranças anteriores no sentido de que se trataria de um serviço de comunicação e, portanto, sujeito ao imposto estadual. 

Ao longo dos últimos 11 anos, foram diversos os autos de infração lavrados e inúmeras as disputas administrativas e judiciais que se iniciaram por conta dessa nova tentativa do fisco de ampliar a sua competência tributária, inclusive com a imposição de multas de 50% do valor da operação e juros abusivos, a exemplo do que ocorre no Estado de São Paulo, o que torna essas disputas ainda mais relevantes. 

No último dia 8 de março, tivemos mais um capítulo de uma dessas disputas, com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 6034, ajuizada pelo Estado do Rio de Janeiro perante o Supremo Tribunal Federal (STF), para que fosse reconhecida a inconstitucionalidade do item 17.25 da Lei Complementar (LC) 157/16, a qual, em tese, deveria colocar fim às cobranças do ICMS-Comunicação, uma vez que inseriu no campo de incidência do ISS a atividade de “inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, em qualquer meio (exceto em livros, jornais, periódicos e nas modalidades de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita)”. 

O pedido da declaração de inconstitucionalidade foi baseado no racional construído pelo fisco de que a “inserção” de publicidade consistiria na própria “veiculação” desse conteúdo publicitário, a qual seria um serviço de comunicação, por representar um meio de estabelecer a comunicação entre remetente e destinatário da mensagem publicitária. Assim, a previsão de incidência do ISS sobre essa atividade, ao invés do ICMS, representaria uma invasão da competência estadual pelo legislador complementar, ignorando a acepção ampla dos serviços de comunicação, desde a égide da Constituição Federal (CF) de 1967, quando o imposto era de competência da União, bem como o caráter residual do ISS em relação ao ICMS. 

Esses argumentos pela inconstitucionalidade foram afastados por unanimidade pelo STF (11 a 0 em favor dos contribuintes), que reconheceu a constitucionalidade do item 17.25 da Lista anexa à LC 116/03, seguindo o voto condutor do relator, Ministro Dias Toffoli, no qual foram considerados os limites para caracterização da prestação de serviços de comunicação, em linha com precedentes da Corte em discussões semelhantes envolvendo o ICMS-Comunicação, e a interpretação do conceito de serviços para fins de incidência do ISS. Por conseguinte, concluiu-se que a atividade de inserção de publicidade é meramente preparatória a eventual serviço de comunicação e, assim, não está sujeita à incidência do ICMS. 

Outro ponto importante levantado no voto diz respeito ao papel da lei complementar na delimitação do campo de incidência dos tributos (no caso, para o ICMS, a LC 87/96 e, para o ISS, a LC 116/03), bem como na solução de conflitos de competência em matéria tributária, no caso, entre Estados e Municípios. 

A partir disso, a Suprema Corte entendeu que não apenas a atividade de inserção de publicidade pode ser enquadrada na hipótese de incidência do ISS como também que a edição da LC 157/16, ao incluir essa atividade no item 17.25 da Lista de Serviços, tenha solucionado o conflito de competência existente entre os Estados e os Municípios, em linha com a análise dos debates no Congresso Nacional quanto ao texto do projeto de lei que resultou na referida LC 157/16 e com precedentes da própria Corte no julgamento de temas semelhantes, como das ADIns 5659 e 1945 acerca da incidência do ICMS ou ISS sobre operações com software. 

Após a publicação do Acórdão do julgamento do tema (21/3/22), o Estado do Rio de Janeiro apresentou Embargos de Declaração levantando argumentos no sentido de que a decisão proferida teria trazido uma interpretação equivocada das atividades de “inserção” e de “veiculação” de publicidade, bem como da sua caracterização como atividade-meio e atividade-fim para definição da sua tributação e, ainda, que teria ocorrido uma restrição indevida ao fato gerador do ICMS-Comunicação ao se ampliar a interpretação acerca dos serviços tributáveis pelo ISS, inclusive, em razão da fundamentação da decisão nos precedentes firmados no julgamento das ADIns 5659 e 1945. 

Além disso, o Estado do Rio de Janeiro pleiteou que fosse conferida interpretação conforme a CF-88 para que a incidência do ISS ficasse restrita aos serviços de inserção, e não de veiculação de publicidade e, como forma de modulação de efeitos, fosse reconhecida a validade das cobranças de ICMS efetuadas antes da LC 157/16. 

Este cenário atual da disputa no STF traz, ao menos, três consequências imediatas. A primeira delas diz respeito ao próprio desfecho da ADIn 6034. Nesse ponto, embora seja possível, sob a perspectiva teórica, que a decisão a ser proferida no julgamento dos embargos de declaração apresente esclarecimentos, não deve ser alterada a conclusão da decisão unânime e de mérito pela não caracterização da atividade como um serviço de comunicação para fins de incidência do ICMS e pela constitucionalidade da incidência do ISS, considerando, inclusive, os inúmeros precedentes da Corte que construíram o racional sobre as hipóteses de incidência do ICMS-Comunicação e solução de conflitos de competência. O voto do Ministro Dias Toffoli, seguido por todos os Ministros, é bastante claro ao tratar desses aspectos. 

Seguindo esse mesmo raciocínio, não é cabível qualquer modulação de efeito para validar cobranças passadas, como pleiteou o Estado do Rio de Janeiro em seus embargos de declaração. Acolher esse pleito, na prática, invalidaria e tornaria inócua a decisão proferida, além de perpetuar o conflito de competência existente e o cenário de insegurança jurídica perante os contribuintes, já que os Municípios também efetuaram cobranças do ISS para o período anterior à LC n.º 157/16. Vale dizer: regras de competência tributária não são passíveis de modulação de efeitos, sob pena de se permitir que os fiscos passem a cobrar impostos sobre quaisquer receitas e, ainda que os contribuintes vençam as disputas, ficariam sujeitos ao recolhimento do imposto cuja incidência foi considerada indevida. 

Além disso, a pretendida alteração da decisão para definir a incidência de um ou outro imposto com base em meras nomenclaturas – “inserção” e “veiculação” – passou a ser levantada, inicialmente pelo Estado de São Paulo, nas disputas sobre o tema após a edição da LC 157/16, na tentativa de validar as cobranças de ICMS quando, na realidade, nenhuma acusação fiscal abordou essa distinção. Aliás, a inserção de publicidade é um modelo de negócios reconhecido internacionalmente1 e não há quaisquer fundamentos para que seja interpretado de outra maneira no Brasil. 

Ainda com relação a esses argumentos do fisco, vale mencionar que o próprio STF já reconheceu a impossibilidade de cobrança do ICMS sobre a atividade de inserção de publicidade, em decisões proferidas e transitadas em julgado após a edição da LC 157/16, cujos argumentos quanto à existência de atividades distintas de “veiculação” e “inserção” e à possibilidade de incidência do ICMS para as cobranças efetuadas anteriormente à LC 157/16 foram levantados pelo Estado de São Paulo (a exemplo do ARE 1.229.325 e ARE 1.267.484). 

A segunda consequência que vemos a partir do julgamento de mérito da ADIn 6034, por sua vez, diz respeito à sua observância por parte dos Estados. Nesse aspecto, considerando que foi proferida uma decisão de mérito, unânime, afastando a possibilidade de incidência do ICMS-Comunicação sobre a atividade de inserção de publicidade, bem como que os embargos de declaração opostos não possuem o efeito de suspender a eficácia da decisão, os fiscos estaduais devem, desde já, deixar de lavrar autuações fiscais para promover cobranças nesse sentido. Em poucas palavras, a decisão deve ser observada de forma imediata e independentemente da pendência dos embargos de declaração. 

Por fim, entendemos que a terceira consequência do cenário atual envolve o resultado das disputas administrativas e judiciais que já estão em curso. Isso, porque, na medida em que essa decisão já possui validade e eficácia, os Tribunais administrativos e judiciais deveriam passar a aplicá-la no julgamento dos casos concretos. 

Espera-se que, com a resolução final da ADIn 6034, os Estados passem a seguir a tese fixada de não incidência do imposto estadual sobre a atividade de inserção de publicidade, sem a criação de novos pretextos para contornar a decisão e insistir em uma disputa já definida pelos Tribunais Superiores, sob pena de incorrerem em despesas de sucumbência na disputa de tema devidamente solucionado.

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