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8 de março de 2022
Número de empreendedoras cresce, mas obstáculos como acesso a financiamento e ambiente de aceleração dominado por homens ainda precisam ser superados
Classificado como o sétimo país com o maior número de mulheres empreendedoras pela pesquisa Global Entrepreneurship Monitor 2020 (GEM), realizada pelo Sebrae em parceria com o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBPQ ), o Brasil possui, hoje, 52 milhões de empreendedores, sendo 30 milhões (48%) mulheres.
Mesmo crescente, a realidade do empreendedorismo feminino é de dualidade. Apesar de especialistas afirmarem que investir nas empreendedoras tem efeitos positivos em cadeia na sociedade, já que elas tendem a direcionar os ganhos para a família e comunidade ao seu redor, além de aumentar o PIB e impulsionar a equidade de gênero, essas mulheres enfrentam desafios diferentes e até mesmo maiores do que os dos homens, como o peso da dupla jornada, dificuldade de acesso a crédito e falta de representatividade no mercado.
Empreender ou sobreviver?
Os dados da GEM revelam que 55% das empreendedoras criam seus negócios como forma de sobrevivência, pela necessidade de gerar renda. “A maioria das empreendedoras no Brasil são arrimo de família, vendem o almoço para pagar a janta e sustentam a família. Essas empreendedoras realmente precisam de muito impulso. Falta incentivo para que elas saiam desse lugar de sobrevivência e entrem num lugar de mais respiro, para poder ter mais criatividade, tempo para pensar e escalar os seus negócios e ter mais qualidade de vida, porque ela trabalha 24/7 para conseguir fazer o negócio dar certo”, comenta Vivi Duarte, fundadora da consultoria Plano Feminino e do Instituto Plano de Menina e head of connection planning da Meta na América Latina.
A questão, recorrente na história brasileira, principalmente quando se trata de grupos minorizados, foi ainda intensificada pela pandemia. O estudo apontou que, no último ano, a taxa dos empreendedores iniciais alcançou o maior nível da série histórica, saltando de 37,5% para 50,4%. Segundo a organização, o recorde foi puxado pelo grande contingente de pessoas que buscaram uma alternativa de sobrevivência frente à pandemia; 82% alegaram que a motivação para começar um negócio foi a solução encontrada para ganhar a vida em tempos de empregos mais escassos.
“Uma parte dessas mulheres vão empreender porque são empurradas do ambiente corporativo para o do empreendedorismo, já que os ambientes corporativos ainda são muito hostis para elas, especialmente às que são mães. Esse é um motivo de elas serem empurradas e não necessariamente um dia acordarem e falarem ‘eu quero empreender’ ou ‘tenho essa oportunidade de negócio’. Quando você fala das mulheres em geral, especialmente em vulnerabilidade social, o empreender tem a ver com botar comida na mesa; 40% das empreendedoras têm como principal ou única fonte de renda o seu negócio”, explica Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME), primeira e maior rede de apoio ao empreendedorismo feminino do Brasil.
Digital: barreira e oportunidade
A RME realizou uma pesquisa no começo de 2020, durante o auge da primeira onda da pandemia, e uma das principais preocupações dessas empreendedoras era sobre o que fazer para tornar o seu negócio digital. A resolução deste problema se mostra também como caminho para outra questão apontada pela Rede: a dificuldade de acesso ao mercado, ou seja, como e onde vender o produto ou serviço. Situação que se intensifica ainda mais de acordo com a intensidade da vulnerabilidade e a quantidade dos marcadores sociais. “Se ela é uma mulher, por exemplo, egressa do sistema prisional, se ela é negra, indígena, refugiada, trans, é sempre mais difícil. Quanto mais marcadores sociais, mais difícil é de ter acesso ao mercado”, revela Ana Fontes.
Luciana Nicola, diretora de relações institucionais e sustentabilidade do Itaú, diz que essa é uma dificuldade que também foi identificada no programa Itaú Mulher Empreenda. Em uma das acelerações que a executiva participou, dois projetos de mulheres indígenas buscavam investimentos para conseguir um acesso mais direto ao mercado. “Me impressionou muito o quanto elas estavam sujeitas a intermediadores. Quando eu vi o pitching delas, descobri que faziam bijuterias e o investimento era para ter acesso diretamente a mercados para venda. Porque o intermediador vai lá, compra aquilo num valor muito pequeno e ganha muito em cima para revender no mercado. Ou seja, ele coloca pouco valor no empreendimento local e acaba ficando com grande parte do ganho”, exemplifica.
Para Vivi, as plataformas digitais se mostram como um dos caminhos para essa questão, sendo grandes aliadas e cúmplices das empreendedoras já que, nas redes sociais elas, conseguem “vender seu peixe” e construir sua marca. A própria executiva construiu sua marca e fez networking por meio das redes sociais. “Eu stalkeava, buscava e-mails, nomes, procurava no Facebook, adicionava, chamava para um café. Também usei as redes sociais para construir minha marca pessoal, para contar sobre mim, sobre os meus negócios, criar conteúdos interessantes que tinham a ver com meu ecossistema. As redes sociais são grandes aliadas e cada vez mais é importante as empreendedoras aprenderem sobre essas ferramentas, fazer com que as pessoas consigam entender o que você está fazendo, para onde você está se movendo e ganhar também cúmplices além de seguidores”, diz.
Investindo para combater esse ponto fraco, o projeto do Itaú também busca esse olhar. Segundo Luciana, a organização realizou uma aceleração para mulheres negras no Rio Grande do Norte com este foco. “Foram quatro meses de mentoria, focando na promoção da digitalização dessas empresas. Para quem não tem muita intimidade com o meio digital também não é simples, porque é preciso entender em qual plataforma ela pode vender de forma mais segura, como ativar a comunicação nesse ambiente e como chegar ao seu mercado”, explica.
Dificuldade nos recursos
Mesmo as empreendedoras que escolhem esse caminho por oportunidade também não encontram um cenário mais fácil. Há obstáculos e solidão para as mulheres que fazem parte do empreendedorismo de grande escala. A Endeavor, comunidade global de empreendedores que apoia scale-ups, empresas que crescem aceleradamente, nota essa dificuldade. Apesar de esses negócios representarem um percentual muito pequeno da totalidade de empresas do Brasil, são elas que geram a maior parte dos novos postos de trabalho a cada ano. Mas ao olhar para características dos fundadores, as mulheres ainda estão muito pouco representadas no ecossistema de inovação.
“Apenas 9,4% são fundadas exclusivamente por mulheres e 1,4% são cofundadas por mulheres, ou seja, quase 90% dessas empresas são compostas apenas por fundadores homens. O número de empresas lideradas por homem é vinte e uma vezes maior do que as lideradas por mulheres. E estas ainda são jovens, já que 66% das que possuem fundadoras mulheres foram fundadas nos últimos cinco anos”, comenta Maria Fernanda Musa, diretora de aceleração de negócios na Endeavor Brasil.
A executiva comenta que outro desafio de crescimento é o de conseguir escalar os próprios negócios. O acesso ao capital, por exemplo, possui uma enorme desigualdade. Na locação de capital, startups fundadas exclusivamente por mulheres, apesar de responderem a quase 5% do ecossistema, receberam apenas 0,04% do total de capital de risco investido no país em 2020.
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