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14 de dezembro de 2021
Este artigo tem por objetivo trazer uma breve análise da possível responsabilidade civil dos influenciadores digitais em um contexto publicitário. Na sociedade contemporânea, a publicidade é um instrumento de formação do consentimento do consumidor. Com a massificação das relações negociais e a divulgação de produtos e serviços por meio de sofisticadas técnicas persuasivas, há necessidade de um maior controle jurídico da publicidade1.
O CDC, ao tratar da publicidade, prevê alguns princípios, estabelece uma regra diferenciada para distribuição do ônus da prova e traz os conceitos de publicidade enganosa e de publicidade abusiva. Dentre os princípios estabelecidos pelo Código, o primeiro deles é a vinculação do fornecedor àquilo que foi veiculado (art. 30). Como prática comercial, a publicidade é dotada de um caráter pré-contratual. Se o contrato de consumo vier a ser celebrado, o fornecedor, via de regra. fica obrigado aos termos do que foi estabelecido no anúncio publicitário.
Outro princípio importante para a controle jurídico da publicidade é a previsão contida no artigo 36 do CDC, que descreve a necessidade de identificação da publicidade. Com base na boa-fé objetiva, o consumidor deve, ao receber a mensagem, identificar imediatamente que aquela comunicação está voltada para a aquisição de um produto ou serviço. Busca-se o controle da publicidade velada ou oculta.
Ainda no âmbito protetivo do Código, há uma regra da distribuição do ônus da prova no contexto publicitário. O artigo 38 do CDC atribui o ônus da prova da veracidade da informação ou da comunicação publicitária e a correção destas ao fornecedor. De acordo com a redação do dispositivo, é possível constatar que cabe ao consumidor tão somente o ônus da afirmação de que a informação ou a comunicação publicitária são inverídicas ou incorretas, para que recaia sobre o fornecedor o ônus da comprovação em sentido contrário àquilo que foi informado pelo consumidor.
O CDC utiliza conceitos distintos para a publicidade enganosa e a abusiva. A primeira emprega o critério da falsidade ou do vício do consentimento do erro sobre o objeto previsto no CC (artigo 139, III). O fornecedor utiliza-se de ardil capaz de induzir o consumidor a acreditar nas características de determinado produto ou serviço. A publicidade abusiva atenta contra os valores éticos da sociedade e revela comportamentos que induzem o consumidor à possível prática de atos contrários às suas saúde e segurança. Ambas são reconhecidas como publicidade ilícita.
Além do âmbito jurídico de controle, há um sistema de autorregulamentação da publicidade. Há uma disciplina privada da publicidade por meio do CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e do Código Brasileiro de Regulamentação Publicitária2. Desta forma, é possível afirmar que vigora um sistema misto de controle da publicidade, em que se conjuga autorregulamentação e participação da Administração e do Poder Judiciário.
Neste contexto de publicidade e de técnicas persuasivas para o incremento do consumo, surgem os influenciadores digitais. Segundo Marcos Inácio Severo de Almeida, Ricardo Limongi França Coelho, Celso Gonçalves Camilo-Junior e Rafaella Martins Feitosa de Godoy “influenciadores digitais são formadores de opinião virtuais que representam uma alternativa para empresas que confiam na comunidade reunida em torno desses perfis como público-alvo da divulgação”.3Em clássico escrito, Paulo Jorge Scartezzini Guimarães tratou da publicidade e da responsabilidade civil das celebridades que dela participam4.
Embora celebridades e influenciadores digitais, essencialmente, possam ser sujeitos distintos, ou seja, uma celebridade pode não ser influenciador digital, há um inegável ponto de contato entre eles: a finalidade de aproximar o consumidor do produto ou serviço veiculado. Há um propósito específico na utilização deste intermediador, qual seja, atuar na formação do convencimento do consumidor, para que a sua tomada de decisão seja direcionada para a aquisição de determinado produto ou serviço. De acordo com Caio César do Nascimento Barbosa, Michael César Silva e Priscila Ladeira Alves de Brito5
[…]Ante as inovações da era digital, surge figura similar às celebridades, os chamados influenciadores digitais (digital influencers), indivíduos que via de regra saíram do anonimato e por meio de determinados atributos, tais como, carisma, criatividade e credibilidade, em áreas específicas, conquistaram milhares de seguidores em redes sociais, tornando-se, pelas novas gerações, modelos a serem seguidos.
A utilização desta técnica para incremento de consumo pode gerar um desvio na racionalidade do consumidor, com a construção de vieses (desvios cognitivos), seja por meio de um viés de adesão (decidir de uma determinada forma porque outras pessoas assim o fazem), ou por meio de um viés de confirmação (tomar uma decisão na crença de que o produto ou serviço é atestado por aquele intermediador).
Com base em toda esta proporção assumida pelos influenciadores digitais, surge a discussão em torno da sua responsabilização civil. No caso, a responsabilidade civil pode ser discutida à luz do controle jurídico existente sobre a publicidade, bem como sobre a existência de um fato ou vício do produto ou serviço.
Inicialmente, é importante destacar que o influenciador digital é considerado fornecedor por equiparação, o que permite o seu enquadramento em uma relação jurídica de consumo. Segundo Leonardo Roscoe Bessa: “O CDC, ao lado do conceito genérico de fornecedor (caput, art. 3º), indica e detalha, em outras passagens, atividades que estão sujeitas ao CDC”6. Para o autor, todos aqueles que participam do contexto publicitário, direta ou indiretamente, são considerados fornecedores equiparados.
A responsabilidade civil decorrente de um fato do produto ou do serviço dispensa a comprovação do elemento culpa. É importante abordar o conceito criado pela doutrina de acidente de consumo, que está voltado para a proteção da incolumidade físico- -psíquica do consumidor. Trata-se da tutela da saúde e da segurança do consumidor, cujos defeitos de concepção, produção ou informação atuam em desconformidade com a legítima expectativa.
As hipóteses de vícios do produto ou do serviço estão previstas, respectivamente, nos artigos 18 e 20 do CDC. Os vícios podem ser de qualidade ou de quantidade. Os primeiros encontram-se em desconformidade com a informação prestada e, na segunda espécie, há diversidade do peso ou da medida. Nos vícios de qualidade, há disparidade do produto ou do serviço quanto ao que foi ofertada e a legítima expectativa do consumidor, a redução do valor daquele ou a informação prestada não se mostrou clara e adequada.
Em relação ao contexto publicitário, caso haja uma publicidade ilícita, seja porque se trata de publicidade enganosa ou abusiva, ou mesmo uma publicidade velada ou oculta, há a prática de um ato ilícito, violador da boa-fé objetiva. No caso, basta a veiculação da publicidade sem identificação, enganosa ou abusiva, sem a necessidade da demonstração do dolo, para que se possa aferir a existência da responsabilidade civil do influenciador digital.
Contudo, quando a responsabilidade civil é tratada na perspectiva de um fato ou vício do produto ou serviço, a discussão assume contornos mais específicos. Em relação ao fato do produto, o CDC estabelece uma responsabilidade diferenciada para o comerciante (art. 13). No que diz respeito ao fato do serviço, há a responsabilidade subjetiva para o profissional liberal (art. 14, §4º). Além do mais, o defeito pode ter como origem a falta de informação ou o próprio defeito em si. Neste contexto, chega-se a sustentar a inexistência de responsabilidade daquele que veicula a publicidade7, ou até mesmo a responsabilidade subjetiva no caso de fato de serviço, pois o influenciador digital pode ser um profissional liberal.
Quanto ao vício do produto ou serviço, o CDC não traz diferenciação em relação às espécies de fornecedores, o que possibilitaria o enquadramento da responsabilidade objetiva. Assim, quando existe uma disparidade entre aquilo que é ofertado e aquilo que é entregue, há um maior consenso sobre a possível responsabilização civil, em decorrência de os influenciadores digitais promoverem o produto ou serviço e influenciarem o consumidor na tomada de decisão, o que atrairia a ideia do risco-proveito.
Diante de tudo o que foi exposto, conclui-se que o influenciador digital pode ser enquadrado como fornecedor por equiparação e a ela ser aplicado o CDC. No contexto da publicidade ilícita, a responsabilidade civil decorre da prática de ato contrário à lei e a sua obrigação de indenizar pode atingir o âmbito individual e/ou coletivo. No caso de a responsabilidade civil ser tratada à luz do fato do produto ou do serviço, a discussão sobre a responsabilidade civil assume aspectos mais específicos e propõe-se a análise casuística da situação.
ALMEIDA, Marcos Inácio Severo de; COELHO, Ricardo Limongi França; CAMILO-JUNIOR, Celso Gonçalves; GODOY, Rafaella Martins Feitosa. Quem Lidera sua Opinião? Influência dos Formadores de Opinião Digitais no Engajamento. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro: ANPAD, 2018, v. 22, n. 1.
BARBOSA, Caio César do Nascimento; BRITTO, Priscila Alves de; SILVA, Michael César. Publicidade Ilícita e Influenciadores Digitais: Novas Tendências da Responsabilidade Civil. Revista IBERC, Minas Gerais, v. 2, n. 2, p. 01-21, mai.-ago./2019.
BENJAMIN, Antônio Herman V. O controle jurídico da publicidade. In MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno (Org). Doutrinas Essenciais de Direito do Consumidor v. III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
BESSA, Leonardo Roscoe. Fornecedor equiparado. In MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno (Org). Doutrinas Essenciais de Direito do Consumidor v. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007
SILVA, Michael Silva; BARBOSA, Caio César do Nascimento; GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira. A responsabilidade civil dos influenciadores digitais na “era das lives”. Disponível aqui. Acesso em 11 dez 2021.
1 BENJAMIN, Antônio Herman V. O controle jurídico da publicidade. In MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno (Org). Doutrinas Essenciais de Direito do Consumidor v. III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
2 CONSELHO NACIONALDE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA (CONAR). Código. São Paulo, 2016. Disponível em: http://www.conar.org.br/codigo/codigo.php. Acesso em: 11 dez 2021.
3 ALMEIDA, Marcos Inácio Severo de; COELHO, Ricardo Limongi França; CAMILO-JUNIOR, Celso Gonçalves; GODOY, Rafaella Martins Feitosa. Quem Lidera sua Opinião? Influência dos Formadores de Opinião Digitais no Engajamento. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro: ANPAD, 2018, v. 22, n. 1, p. 16.
4 GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 161.
5 BARBOSA, Caio César do Nascimento; BRITTO, Priscila Alves de; SILVA, Michael César. Publicidade Ilícita e Influenciadores Digitais: Novas Tendências da Responsabilidade Civil. Revista IBERC, Minas Gerais, v. 2, n. 2, p. 01-21, mai.-ago./2019. Também deve ser analisada a publicação de Michael César Silva, Caio César do Nascimento Barbosa e Glayder Daywerth Pereira Guimarães “A reponsabilidade civil dos influenciadores digitais na ‘era das lives’. Disponível aqui. Acesso em 11 dez 2021.
6 BESSA, Leonardo Roscoe. Fornecedor equiparado. In MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno (Org). Doutrinas Essenciais de Direito do Consumidor v. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1025).
7 GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.221.
Confira o artigo no Migalhas.
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