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O neocolonialismo digital

Fonte: Folha de S. Paulo

10 de junho de 2021

Por Mario D’Andrea, presidente da ABAP

A partir do século XIX, a industrialização do continente europeu marcou um intenso processo de expansão econômica. O crescimento dos parques levou as grandes potências a controlar e explorar regiões e países na África, Ásia e Oceania. Essa segunda onda colonialista procurava mão de obra e matéria-prima baratas.

Hoje, temos claramente uma nova onda de exploração. A procura, agora, é pelos dados.

Dados sobre você, sobre mim, sobre todos nós. O recurso hoje mais precioso somos nós, pessoas – e nossos hábitos, nosso jeito de pensar e agir.

Por meio do ambiente digital, empresas e plataformas procuram prever cada ato, cada gesto – e ganhar o máximo de receita com isso, ao menor custo. Segundo as palavras do professor Nick Couldry, da London School of Economics & Political Science: é um modelo de negócio no qual “precisa estar conectado porque isso significa que a publicidade pode se tornar mais pessoal … eles sabem o que queremos”. 

É o neocolonialismo digital.

Para ampliar cada vez mais esse negócio, como empresas de tecnologia se utilizar de regras e ideologias próprias – assim como no colonialismo histórico. Ninguém sabe exatamente o que acontece dentro das plataformas, ninguém como regula. 

Antes de mais nada, deixemos algo muito claro: liberdade de expressão é uma coisa (sagrada, por sinal); liberdade total na comercialização de espaço é outra. Se alguém coloca dinheiro por trás de uma mensagem e outro alguém ganha dinheiro com isso, essa operação tem que seguir as normas – como qualquer outra atividade. Não apenas normas comerciais, mas normas éticas e de conduta. 

Infelizmente, não é o que vemos hoje em boa parte da publicidade digital. As grandes plataformas não se reconhecem como veículos de comunicação, por isso não siga as leis do mercado de veículos nem de publicidade. Apesar disso, essas alterações foram plataformas ganham por meio da publicidade a quase totalidade de suas receitas, como apontam seus balanços próprios. Em outras palavras: tenho corpo de cavalo, relincho feito cavalo, corro como cavalo, mas não quero ser chamado de equino.

É a filosofia do bônus máximo com ônus mínimo. Exatamente como faziam os colonialistas.

É preciso lembrar a todos que existe o Código do Consumidor, existe o Conar e várias leis federais que regulamentam a atividade pública.

Muitos alegam que não existem como regular no mundo digital, que é uma nova ordem econômica. Façamos aqui uma comparação: quando o homem passou a dominar e transmitir a eletricidade, uma nova sociedade surgiu. Novos hábitos, novos meios de produção, uma revolução econômica total. No princípio, governos e sociedade não sabiam como controlar a nova dinâmica.

Hoje a geração de eletricidade é uma das áreas mais regulamentadas que existem – para o bem da própria atividade.

Cabe à sociedade, através de seus representantes e do governo, discutir e criar limites ao gigantismo digital e esse novo colonialismo.

O economista Milton Friedman dizia que empresas existiam apenas para criar riqueza para os donos ou sócios. No mundo moderno, isso não é mais aceito. Empresas são indissociáveis ​​da sociedade. As empresas não podem ser mais importantes do que países.

 Como fazer isso? Relativamente simples. Na sua famosa carta aos clientes, Larry Fink, CEO da BlackRock (maior gestora de ativos em todo mundo), escreveu em letras capitais: Capitalismo Responsável e Transparente. Impor responsabilidades com o país e com o mercado e exigir regras de transparência é o que se espera. 

Existe uma única atividade que foge de qualquer responsabilidade e não é nada transparente: o Tráfico de Drogas. Com certeza, como plataformas e seus milhares de grandes profissionais não estar ao lado dessa triste companhia.

Artigo publicado no jornal Folha de SP em 10/11/2020.

www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/11/o-neocolonialismo-digital.shtml

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